O objeto de estudo da Teologia é a Bíblia, logo, quando nos envolvemos em algum tipo de estudo teológico, iremos inevitavelmente lidar com as doutrinas bíblicas. Por isso, é importante começar nosso estudo entendendo o real significado do termo "doutrina" e esclarecer o que é, e o que não é doutrina.
Vamos deixar de lado o significado comum dessa palavra, que geralmente é usada para se referir a qualquer tipo de ensino. Nosso foco é entender "doutrina" no sentido mais específico, que é o sentido bíblico-teológico. Antes de continuarmos, é importante explicar o que não é considerado doutrina.
Nas igrejas pentecostais, especialmente nas mais tradicionais, muitas vezes há um equívoco ao usar o termo "doutrina", que é frequentemente associado a "usos e costumes". No entanto, essa interpretação não tem nada a ver com o verdadeiro significado das doutrinas da Bíblia. Às vezes, até chamam alguns dias específicos de culto de "culto de doutrina". A depender do seu contexto religioso, é provável que essa expressão seja ou muito comum ou totalmente desconhecida.
Quando se fala em "culto de doutrina", muitas pessoas logo pensam que o pastor vai falar sobre os costumes tradicionais ou práticas específicas daquela igreja. Isso inclui assuntos como corte de cabelo, uso de véu, roupas, enfeites e questões relacionadas à vaidade, entre outros. No entanto, o ponto é que esses costumes não podem e não devem ser considerados como regras ou princípios de fé.
É fundamental entender que a espiritualidade de alguém não deve ser julgada com base em costumes ou padrões específicos. Isso precisa ficar bem claro. Quando se trata de roupas, por exemplo, o princípio bíblico mais importante é a modéstia, decência e sobriedade. Assim, uma calça ou uma blusa podem ser consideradas modestas e discretas, mas também podem ser vistas como indecentes ou vulgares, dependendo de como são usadas. O mesmo vale para uma saia ou uma blusa.
Qual é a ideia principal desse argumento?
A questão é que o ensinamento da Bíblia se baseia na moderação, não no estilo da roupa. A moderação é ensinada na Bíblia, enquanto o estilo da roupa é apenas um costume que pode mudar de uma cultura para outra. Por exemplo, os homens escoceses usam o "kilt", uma saia dobrada e pregueada em tecido xadrez, como parte de seu traje formal. Então, o que pode variar de uma cultura para outra não é a doutrina, mas sim um costume. Os costumes mudam de acordo com as tradições, enquanto as doutrinas bíblicas permanecem as mesmas, inalteráveis, não importa o tempo ou a cultura. Quando entendemos isso, fica mais fácil diferenciar o que é um "costume" e o que é uma "doutrina". E o teólogo precisa ter isso na mente e na ponta da língua, para que seu ensino não sofra influências nem inserções indevidas de elementos culturais, seja de um país ou de uma denominação religiosa qualquer, no contexto doutrinário de fé.
Além disso, quando falamos de “doutrina” na Bíblia e na Teologia, não estamos nos referindo apenas a formas comuns de ensino, nem a usos e costumes. É claro que não há nada de errado em as igrejas adotarem bons costumes e regras para seus membros seguirem. O problema surge quando tentamos dar a esses costumes e regras um peso doutrinário e um valor salvífico. Isso é onde mora o grande problema.
Elementos Distintivos Entre “Costume” e “Doutrina”
Desde o começo, é importante entender que "doutrina" e "costumes" são coisas diferentes. E por que isso é tão relevante? Bem, os "usos e costumes" são coisas temporárias, não têm a mesma importância que as doutrinas e não afetam nossa salvação. Agora, quando falamos de teologia bíblica, "doutrina" refere-se às crenças fundamentais e ensinamentos essenciais das Escrituras Sagradas.
As doutrinas bíblicas são essenciais porque são fundamentais para a compreensão e sustento da fé. É importante notar que, enquanto as doutrinas bíblicas são universais e atemporais, os usos e costumes são o oposto, sendo temporais e locais. Eles são hábitos e tradições não essenciais que variam de acordo com a cultura, região e período histórico. São elementos transitórios e culturais que mudam ao longo do tempo e variam de uma região para outra.
Por exemplo, a doutrina da salvação contém verdades inquestionáveis tanto para quem vive no Brasil quanto no Alasca, na Índia ou na China, porque sua origem está nas Escrituras, na Palavra Revelada de um Deus imutável, que não muda com o tempo, nem varia em diferentes contextos políticos, geográficos, sociais, religiosos ou culturais.
O Significado Etimológico da Palavra Doutrina
O termo "doutrina" tem sua origem no idioma grego, sendo transliterado do substantivo feminino “didaskalia” (διδασκαλια), que significa “ensino”, “ensinamento” ou “instrução”. Assim, doutrina e Teologia estão intrinsecamente ligadas, já que esta última enfatiza a importância daquela na vida cristã, entendendo-a como o conjunto de verdades divinas reveladas na Bíblia.
O substantivo “didaskalia” aparece no Novo Testamento por 21 vezes, sempre referindo-se ao ensino da Palavra de Deus, especialmente às verdades centrais da fé cristã. O apóstolo Paulo, em suas cartas, faz uso frequente do termo “didaskalia” para se referir ao ensino e instrução dos líderes cristãos. Como exemplo, vejamos dois textos bíblicos onde há a ocorrência do vocábulo “didaskalia” ou suas variantes:
E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de pessoa madura, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como crianças, arrastados pelas ondas e levados de um lado para outro por qualquer vento de doutrina | διδασκαλιας [didaskalias | ensino], pela artimanha das pessoas, pela astúcia com que induzem ao erro. [Efésios 4.11-14 | NAA]
O trecho de Efésios 4.11-14 destaca como é importante entender e seguir os ensinamentos da Bíblia. Ele compara a facilidade com que as crianças podem ser enganadas à vulnerabilidade dos cristãos que não conhecem esses ensinamentos, podendo acreditar em coisas falsas. Portanto, é essencial que os cristãos aprendam a distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso.
Os líderes da igreja desempenham um papel crucial nisso, precisando conhecer bem os ensinamentos corretos, discernir o que é verdadeiro e o que não é, e estar prontos para defender a doutrina da Bíblia. Isso é fundamental para o crescimento espiritual da igreja e para proteger os crentes de serem influenciados por ensinamentos errôneos.
Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos [διδασκαλιαις | didaskaliais] de demônios, pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm a consciência cauterizada, que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com gratidão pelos que creem e conhecem a verdade. [1 Timóteo 4.1-3 | NAA]
O texto de 1 Timóteo 4.1,2 consiste numa advertência de Paulo a Timóteo sobre os ensinamentos falsos que estavam se infiltrando na igreja. Neste contexto, é incumbência dos cristãos estarem atentos em relação aos ensinamentos falsos e enganosos que podem afetar a fé. Portanto, a igreja deve permanecer alerta para a presença de falsos mestres e manter um compromisso firme com a defesa da verdade bíblica.
Efésios 4 nos ensina que Deus deu mestres à igreja para edificar e fortalecer os crentes, capacitando-os a discernir entre a verdade e o erro. É crucial, portanto, que a igreja tenha mestres bem preparados, que sejam instrumentos de Deus no combate às heresias e aos ensinamentos falsos que contradizem a Bíblia. Estes líderes não apenas ensinam corretamente, mas também são guardiões da doutrina bíblica, promovendo o crescimento espiritual genuíno e protegendo os fiéis de serem desviados por falsas doutrinas.
Neste sentido, o texto destacado ressalta a relevância da doutrina bíblica para a saúde espiritual da igreja. Esse equilíbrio espiritual só é possível quando a igreja está empenhada no estudo e na aplicação da verdade bíblica. Através do discernimento e da fidelidade à doutrina, os cristãos podem proteger-se dos ensinamentos falsos e manter-se firmes na fé genuína.
Por ora é isso! Te aguardo por aqui no próximo post. Até lá!
Ângelo Monteiro